“A princípio é simples” é uma obra que remete para o nosso estado original, quando ainda não somos nada (“pano cru”) e, ao mesmo tempo, começamos a ser alguma coisa (linhas que se cosem).
Evocando a canção “O primeiro dia”, de Sérgio Godinho (1978), fala-nos do começo e dos sucessivos recomeços, de como é sempre possível um dia primeiro, um desvio ou mesmo uma inversão de sentido.
À semelhança do painel “Começar”, de Almada Negreiros (1968), é composta por formas complementares, que se contaminam umas às outras, em jogos de figura-fundo ou na multiplicação de linhas e tons. Porém, longe do “rigor do traço” (Lígia Penim, 2000) das fórmulas matemáticas deste painel, “A princípio é simples” é assumidamente irregular e orgânica, lembrando as curvas “do que é quente e se parece com o que é firme e com o que é vago, esse ventre que eu afago, que eu bebia de um só trago se pudesse” (Espalhem a Notícia, Sérgio Godinho, 1981).
Sim, porque esta obra é sobre vida, não só a germinar (o princípio), mas também a cessar (o final ou a passagem) e a simplicidade que carateriza estes momentos aparentemente opostos. Como canta Amélia Muge “estar vivo é estar à morte” e como tão bem identifica Susanna Tamaro, “a infância e a velhice são muito semelhantes”, pois em ambas as fases “é-se bastante inerme. Ainda não – ou já não – se toma parte activa na vida e isso permite que se viva com uma sensibilidade sem esquemas, aberta.”
No caminho para a piscina interior do Monte do Malhão, “A princípio é simples” desafia a tranquilamente despir a “couraça invisível” que se formou em torno do corpo e é reflexo das prisões da alma, a desatar os nós e deixar ver a trama, mergulhar e libertar-se, regressando ao aconchego da vulnerabilidade que nos torna tão próximos, “grãos da mesma mó” (Sérgio Godinho, 2018).
Lisboa, 4 de fevereiro de 1980. Licenciada em Artes Plásticas – Pintura (2003), mestre (2007) e doutora (2016) em Educação Artística, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, Ana Sousa é docente nesta instituição (desde 2009), artista e investigadora integrada no Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes, onde coordena o grupo de Educação Artística. Nos domínios da pintura e da fotografia, uma das suas últimas exposições intitula-se Na véspera de não partir nunca e teve lugar na Quinta da Cruz, em Viseu, de 21 de julho a 5 de setembro de 2017. Enquanto fiber artist, expõe regularmente desde 2002, contando com inúmeras exposições no Museu *da* Tapeçaria de Portalegre Guy Fino. Ainda a nível nacional, é de destacar a sua participação na exposição coletiva Palimpsesto, da curadoria de Maria Manuela Lopes e organização da associação Cultivamos Cultura, no Museu Municipal de Penafiel, de 17 de janeiro a 9 de fevereiro de 2020. A nível internacional, é de mencionar a sua participação na exposição coletiva Winter Exhibition da Verbeke Foundation, em Kemzeke, na Bélgica, de 15 de novembro de 2015 a 14 de março de 2016. Como docente e investigadora, leciona no Doutoramento em Educação Artística, no Mestrado em Educação Artística e no Mestrado em Ensino de Artes Visuais, na Universidade de Lisboa, desenvolvendo estudos, de natureza colaborativa e construtivista, nos domínios da formação de professores e da didática das artes visuais. É também investigadora colaboradora na Universidade de São Paulo e co-responsável pelo projeto ConfiArte: Oficinas Re-Criativas de Arte-Cidadania, patrocinado pela DGArtes.